𝗜𝗻𝘁𝗿𝗼𝗱𝘂𝗰̧𝗮̃𝗼
Este texto tem como objetivo ampliar o que já foi dito e escrito em 2022, e que gerou polêmica entre religiosos e pseudodespertos, especialmente aqui na internet, em plataformas como o Facebook. Como todo tema que muitas pessoas não compreendem de imediato, optei por abordá-lo gradualmente, evitando construir um texto difícil que pudesse impedir a compreensão de qualquer pessoa que viesse a ter acesso ao que escrevo.
Fontes históricas e estudos especializados demonstram que a religiosidade greco-romana integrava a sexualidade em suas práticas cultuais, muitas vezes de maneira ritualizada. Em diversos cultos, como os de Baco (Dionísio) e Cibele, havia cerimônias marcadas por expressões de êxtase, transgressão e inversão de normas sociais, incluindo relações homoeróticas. Os chamados “mistérios báquicos” foram inclusive alvo de repressão pelo Estado romano em determinados períodos, tamanha era sua natureza subversiva. Além disso, a prostituição cultual, longe de ser uma particularidade do antigo Oriente Próximo, foi amplamente praticada em centros religiosos do Império Romano, revelando a complexidade entre religião e sexualidade na Antiguidade.
Esse panorama é analisado por autores como Kyle Harper, que em From Shame to Sin: The Christian Transformation of Sexual Morality in Late Antiquity (Harvard University Press, 2013), mostra como o cristianismo rompeu com essas práticas ao impor uma ética sexual centrada na contenção e no casamento. Da mesma forma, Peter Brown, em The Body and Society: Men, Women, and Sexual Renunciation in Early Christianity (Columbia University Press, 1988), expõe como a o cristianismo emergente confrontou a permissividade sexual dos cultos pagãos, especialmente no que se refere à prostituição sagrada e à homoafetividade ritualizada. Até mesmo um autor que crê que o cristianismo é isso tem que admitir.
Dito isso, vamos revisitar Romanos 1 e analisar se realmente há condenação aos nossos irmãos LGBT+.
𝘼 𝙀𝙭𝙥𝙧𝙚𝙨𝙨𝙖̃𝙤 "𝙋𝙖𝙧𝙖̀ 𝙋𝙝𝙮́𝙨𝙞𝙣" 𝙚𝙢 𝙍𝙤𝙢𝙖𝙣𝙤𝙨 𝟭: 𝘾𝙤𝙣𝙩𝙚𝙭𝙩𝙤, 𝙇𝙞𝙣𝙜𝙪𝙖𝙜𝙚𝙢 𝙚 𝙐𝙨𝙤 𝙣𝙖 𝘾𝙪𝙡𝙩𝙪𝙧𝙖 𝙂𝙧𝙚𝙘𝙤-𝙍𝙤𝙢𝙖𝙣𝙖
A interpretação tradicional de Romanos 1:26-27 é frequentemente utilizada para justificar a condenação de pessoas LGBT+, especialmente por meio da expressão grega “parà phýsin” (παρὰ φύσιν), comumente traduzida como "contrário à natureza". No entanto, uma análise das Escrituras, linguística e histórica revela que essa expressão possui usos diversos na literatura grega e judaica antiga, e que o contexto de Romanos 1 está muito mais ligado à idolatria e à quebra da ordem ético-teológica do que à orientação sexual como compreendida hoje.
A pergunta que fica é: sobre o que Paulo quis dizer com “natureza”? Muita gente lê Romanos 1 como uma condenação direta e universal à homossexualidade, mas isso ignora por completo o contexto da época e a forma como Paulo utilizava certas palavras. O artigo “Uma Análise Hermenêutica sobre a Homossexualidade nos Discursos Bíblicos do Novo Testamento” (Habowski & Conte, 2019) aprofunda justamente essa questão e mostra que “natureza” (“physis”) não significava para Paulo o mesmo que significa para nós hoje.
Na cultura greco-romana, agir “contra a natureza” (“para physin”) podia simplesmente indicar um comportamento incomum, fora do costume, ou inesperado, e não, obrigatoriamente, uma imoralidade intrínseca. Para Paulo, a preocupação central era denunciar a idolatria e o afastamento do projeto original de Deus. O que estava em jogo era o rompimento da aliança e dos costumes do povo, frequentemente ligados a ritos pagãos e práticas religiosas consideradas escandalosas naquele tempo. Estou abordando aqui informações deste artigo, retomaremos as minhas pesquisas e fundamentações a partir do título “A linguagem de Romanos 1:26-27”.
Naquele tempo, a sexualidade era compreendida muito mais em termos de papéis sociais, honra e desonra, do que por desejo ou identidade pessoal. Práticas sexuais “fora do comum” eram interpretadas como sinais de corrupção ou desordem da sociedade, frequentemente ligadas a cultos idolátricos, prostituição sagrada ou excessos hedonistas. A crítica de Paulo, portanto, não tem como alvo uniões homoafetivas estáveis, mas sim a perda de limites éticos em função do abandono do Deus único e do envolvimento com práticas pagãs.
Se Paulo não conhecia os conceitos modernos de orientação sexual, identidade de gênero ou afetividade, não faz sentido tomar seus escritos como condenação automática de relações homoafetivas estáveis e consentidas. O que está em Romanos 1 é um discurso que responde a excessos e desordens do contexto antigo, não um manual de moralidade sexual universal. Ignorar isso é cometer anacronismo, projetar categorias e discussões modernas para dentro de um texto antigo. O resultado desse erro é a exclusão e a violência contra pessoas que jamais estiveram no horizonte do autor bíblico. Por isso, toda leitura séria de Romanos precisa reconhecer essas diferenças, contextualizar a crítica paulina e evitar usar o texto como arma para justificar o preconceito nos dias de hoje. Por isso, toda abordagem honesta de Romanos 1 deve começar reconhecendo que o texto discute idolatria, subversão de costumes por influência estrangeira e práticas consideradas desordeiras ou “estranhas” para o contexto antigo. Não fala, nem de longe, sobre relacionamentos homoafetivos estáveis, afeto ou amor entre pessoas do mesmo sexo no contexto contemporâneo. A responsabilidade ética da leitura bíblica exige, hoje, diálogo com a ciência, com a história, com a dignidade humana e com o espírito de justiça, superando o moralismo raso e as leituras dogmáticas e excludentes.
𝘼 𝙇𝙞𝙣𝙜𝙪𝙖𝙜𝙚𝙢 𝙙𝙚 𝙍𝙤𝙢𝙖𝙣𝙤𝙨 𝟭:𝟮𝟲-𝟮𝟳
O texto grego diz:
αἱ γὰρ θήλειαι αὐτῶν μετήλλαξαν τὴν φυσικὴν χρῆσιν εἰς τὴν παρὰ φύσιν... (Pois as suas mulheres trocaram o uso natural por outro, contrário à natureza...)
Essa expressão também aparece em Romanos 11:24, onde Paulo diz que Deus enxertou os gentios na oliveira "contrários à natureza", no sentido de agir fora do padrão habitual ou fora do esperado pela tradição religiosa judaica.
εἰ γὰρ σὺ ἐκ τῆς κατὰ φύσιν ἐξεκόπης ἀγριελαίου καὶ παρὰ φύσιν ἐνεκεντρίσθης εἰς καλλιέλαιον, πόσῳ μᾶλλον οὗτοι οἱ κατὰ φύσιν ἐγκεντρισθήσονται τῇ ἰδίᾳ ἐλαίᾳ; (Rom. 11:24 BGNT)
Tradução: "Porque, se tu foste cortado da oliveira brava, que é por natureza tua, e contra a natureza foste enxertado na oliveira cultivada, quanto mais esses, que são ramos naturais, serão enxertados na sua própria oliveira?"
Há detalhes que devemos nos atentar:
κατὰ φύσιν = segundo a natureza (naturalmente)
παρὰ φύσιν = contra a natureza (de modo não usual)
Paulo usa o mesmo contraste ("natural" x "contra a natureza") de Romanos 1 aqui de forma positiva, para descrever a ação de Deus de enxertar gentios (não judeus) na aliança — algo extraordinário, mas não negativo. Isso confirma que "para physin" não carrega necessariamente sentido moral de condenação, mas de algo fora do padrão habitual, ou inesperado.
Uso de "parà phýsin" na Literatura Antiga
O termo é usado amplamente em textos filosóficos e históricos greco-romanos:
O filósofo estoico Epicteto usa o conceito de “agir contra a natureza” (parà phýsin) para criticar comportamentos irracionais, autocontraditórios e incoerentes com a razão humana (logos). Em Discourses II.20, ele ironiza Epicuro por negar princípios de convivência humana enquanto escreve livros tentando convencer os outros, um ato que, segundo Epicteto, viola a própria natureza racional do ser humano. Não há qualquer conotação sexual no uso da expressão, que está relacionada ao desvio da razão e da ordem moral, e não à orientação ou prática sexual.
“O que foi então que despertou Epicuro de sua sonolência e o forçou a escrever o que escreveu? O que mais poderia ser senão aquilo que há de mais forte nos seres humanos — a natureza —, que arrasta o homem para a sua própria vontade, ainda que ele resista e reclame? [...] Tão forte e invencível é a natureza humana. Pois como poderia uma videira agir de modo que não fosse o próprio de uma videira, mas como uma oliveira? [...] Da mesma forma, não é possível que um homem perca por completo os afetos (movimentos) próprios de um ser humano.”
(Tradução livre do inglês com base em Epicteto, Discourses II.20)
Sêneca aplica a expressão para designar ações contrárias à razão e à virtude, como a ganância e a crueldade.
““Assim faze, meu caro Lucílio: reivindica-te para ti mesmo, e reúne e guarda o tempo que até agora ou te era tirado, ou furtado, ou simplesmente escapava. Convence-te de que é como te escrevo: parte do tempo nos é arrancada, parte nos é subtraída e parte se escoa. No entanto, a perda mais vergonhosa é aquela que ocorre por negligência. E, se quiseres prestar atenção, perceberás que a maior parte da vida escapa aos que agem mal, uma grande parte aos que nada fazem, e toda a vida àqueles que estão sempre ocupados com outras coisas.”
(Tradução livre a partir da edição inglesa de Richard M. Gummere, Harvard University Press)
Na Epístola 1, Sêneca não utiliza literalmente a expressão grega parà phýsin (“contra a natureza”), mas expressa uma crítica estoica ao desperdício da vida por negligência e distração. Embora escreva em latim, ele compartilha da visão de que afastar-se de uma vida racional e consciente é desviar-se da natureza humana — no sentido ético-filosófico característico do estoicismo.
O historiador judeu Flávio Josefo, em Contra Apionem II.199, interpreta a “natureza” a partir da lei judaica, condenando práticas como a homossexualidade masculina com base nesse entendimento legal e religioso. Isso revela que o termo “contra a natureza” podia ser usado com diferentes conteúdos normativos, variando conforme a tradição e o autor, nem sempre com base filosófica, mas também teológico-cultural. Veja:
“Mas então, quais são as nossas leis sobre o casamento? Essa lei não permite nenhuma outra mistura de sexos além daquela que a natureza determinou, de um homem com sua esposa, e que isso seja usado apenas para a procriação de filhos. Mas ela abomina a mistura de um homem com outro homem; e se alguém fizer isso, a morte será sua punição.”
Portanto, o termo não tem um uso estável e exclusivo em relação à sexualidade. Seu significado depende fortemente do contexto cultural e discursivo.
Contexto de Romanos 1
Romanos 1:18-32 é parte de um discurso retórico de Paulo contra a idolatria e a corrupção moral das nações gentílicas. O foco é a substituição da glória de Deus por ídolos (v.23), e como essa troca levou a comportamentos "desonrosos".
As relações descritas nos versículos 26-27 são parte de uma crítica maior ao abuso dos corpos e paixões descontroladas ligadas a cultos pagãos, como práticas sexuais rituais ou estratégias políticas envolvendo relações forçadas, e não a relações homoafetivas modernas baseadas em afeto, consentimento e identidade pessoal. Essa leitura é coerente com o entendimento de que Paulo denunciava a distorção da "natureza" dentro de contextos idolátricos e de abuso, não condenando identidades sexuais fixas.
O versículo 27 de Romanos 1 evidencia que os homens mencionados eram, originalmente, heterossexuais, visto que abandonaram as relações com mulheres — que lhes eram naturais — para se envolverem sexualmente com outros homens. Isso indica que Paulo está se referindo a indivíduos que agiram contra sua própria natureza. Homens cuja orientação é homossexual não "deixam" a atração por mulheres, pois isso nunca fez parte de sua experiência afetiva ou sexual.
A passagem retrata um contexto de busca desenfreada pelo prazer, marcado por um estilo de vida hedonista. O hedonismo, entendido como uma filosofia que coloca o prazer, especialmente o sexual, como o maior bem a ser alcançado, era uma característica marcante da cultura romana. Essa visão influenciava desde a vida pessoal até as esferas sociais e religiosas da época. Não há indícios de que Paulo estivesse condenando relações homoafetivas estáveis e pautadas no afeto e no compromisso mútuo. Pelo contrário, o que ele descreve são práticas sexuais desordenadas, movidas por impulsos e sem laços emocionais. Em outras palavras, o texto aborda relações promíscuas e casuais, e não uniões duradouras entre pessoas do mesmo sexo. É improvável que Paulo, inserido em seu contexto cultural e histórico, tenha tido qualquer contato com o conceito moderno de relacionamentos homoafetivos baseados no amor e na fidelidade.
Ainda assim, mesmo que os indivíduos descritos fossem de fato homossexuais, o foco da condenação paulina recairia sobre a promiscuidade, a devassidão e a quebra de limites morais, atos que são considerados pecaminosos nas Escrituras independentemente da orientação sexual das pessoas envolvidas.
O apóstolo apenas afirma que as mulheres “trocaram o uso natural por outro contrário à natureza”, sem detalhar a que tipo de prática se refere. Não há nas Escrituras outro trecho que esclareça de forma definitiva essa passagem. Alguns estudiosos propõem que Paulo poderia estar se referindo a práticas sexuais heterossexuais consideradas fora do padrão reprodutivo, como o sexo anal, uma vez que, segundo a mentalidade judaica da época, qualquer relação sexual que não visasse à procriação era vista como antinatural.
Ao compararmos os versículos 26 e 27, nota-se que Paulo usa o termo “semelhantemente” ao introduzir o caso dos homens, sugerindo que ambos os grupos (homens e mulheres) alteraram seus comportamentos sexuais. No entanto, ao tratar das mulheres, ele não menciona que abandonaram relações com homens nem afirma que passaram a se relacionar entre si. O que está presente é uma crítica à inversão do “uso natural”, mas o texto não descreve explicitamente relações lésbicas.
Alguns estudiosos argumentam que Paulo pode estar se referindo, em Romanos 1, a práticas comuns nos cultos pagãos romanos, como os rituais da deusa Bona Dea que eram voltados exclusivamente para mulheres e, segundo fontes antigas, com elementos de bestialidade, e também aos cultos a Baco, marcados por orgias, incesto e relações sexuais entre homens. Nesse cenário, as práticas condenadas por Paulo estariam ligadas à idolatria e a comportamentos sexuais considerados "antinaturais" por não visarem à reprodução, conforme o entendimento judaico da época.
A respeito das relações entre mulheres, muitos estudiosos apontam que elas provavelmente não estavam em vista, já que, na lógica sexual antiga, apenas o ato que envolvia penetração e emissão de sêmen era reconhecido como sexual em si. Assim, quaisquer interações íntimas entre mulheres não eram vistas como sexo de fato, o que explicaria a ausência de uma condenação explícita nesse contexto.
Daniel A. Helminiak reforça essa leitura ao afirmar que o sexo entre mulheres não era um tema central no pensamento greco-romano e quase não aparece nos registros da Antiguidade. Além disso, ele destaca que essas relações não são abordadas em nenhum outro trecho do Novo Testamento. Sua reflexão propõe: se esse assunto fosse realmente importante para Paulo, por que teria sido citado apenas uma vez, e de forma tão ambígua?
Análise Linguística: Romanos 1:26–27 no Grego
Paulo escreve:
αἵ τε γὰρ θήλειαι αὐτῶν μετῄλλαξαν τὴν φυσικὴν χρῆσιν εἰς τὴν παρὰ φύσιν (as mulheres deles trocaram o uso natural por outro contrário à natureza)
ὁμοίως τε καὶ οἱ ἄρρενες... ἐξεκαύθησαν τῇ ὀρέξει αὐτῶν εἰς ἀλλήλους (igualmente também os homens... inflamaram-se em sua paixão uns pelos outros)
μετῄλλαξαν (metēllaxan): “trocaram” ou “substituíram”. O mesmo verbo é usado nos versículos 23 e 25 para descrever a troca da glória de Deus por ídolos. Isso liga diretamente o comportamento sexual descrito a um contexto de idolatria. No léxico de Danker ela explica que é uma mudança tão drástica que subverte o propósito original. Portanto, o verbo carrega a ideia de distorção teológica e cultual, e não apenas uma escolha moral ou sexual.
χρῆσις — “uso”, “função sexual”. Danker traz especificamente como relações sexuais no NT. O termo no contexto é usado em sentido funcional, não identitário. Não fala sobre quem a pessoa é, mas sobre como algo (o corpo, o desejo) foi usado. Isso abre a leitura para entender o “uso” como participação ritual em cultos pagãos, algo comum no mundo greco-romano, e não um julgamento da orientação afetiva moderna.
παρὰ φύσιν — “contra a natureza”. Em léxicos de Friberg e Danker, é usado com o sentido de algo além, fora ou contrário à ordem natural ou ética, mas isso depende do contexto. Em Romanos 11:24, Paulo usa a mesma expressão para descrever a inclusão dos gentios como enxertos “contra a natureza”, ou seja, algo incomum, inesperado, mas que não é imoral.
A expressão, aqui, é parte de uma crítica a práticas que distorcem a ordem teológica (idolatria, autoindulgência, perversões rituais), não a orientação sexual consensual entre pessoas do mesmo sexo.
O Conceito de "Natureza"
Para Paulo, e para a tradição estóica com a qual ele dialoga implicitamente, "natureza" (phýsis) não é sinônimo de biologia ou orientação sexual inata, mas representa uma ordem moral e social que reflete o cosmos divinamente estruturado. Assim, algo "contra a natureza" podia significar simplesmente algo "fora do costume judaico" ou "além da norma da aliança", sem referência a alguma essência biológica intransponível. Paulo não era religioso, não era um “reducionista” como os religiosos de hoje são.
No comentário aos Romanos de ERNST KASEMANN, mostra que a ira de Deus é expressa não como um castigo direto, mas como abandono à consequência do próprio pecado. Paulo repete três vezes que “Deus os entregou” (vv. 24, 26, 28), indicando que a corrupção moral e social é resultado do distanciamento da verdade de Deus, não o foco moral central da denúncia. O comentário mostra que expressões como "parà phýsin" (v.26) têm relação com a ordem criada e a função racional do ser humano como criatura de Deus, e não com uma ética sexual essencialista. O comentário afirma que Paulo não isola Romanos 1:18-32, mas o utiliza para construir o argumento de que “todos pecaram” (Rm 3:9,23). É uma introdução ao drama universal da queda e não um código moral isolado. Paulo adota termos filosóficos e helenísticos, mas os reinterpreta teologicamente, mostrando que ele não está adotando uma moral naturalista, mas estruturando um discurso profético-apocalíptico com uma lógica escatológica.
Conclusão
A expressão "parà phýsin" em Romanos 1 não pode ser tomada isoladamente como condenação universal de pessoas LGBT+. O contexto linguístico, histórico e doutrinário aponta para uma crítica à idolatria e à distorção da imagem divina, não a relações saudáveis entre pessoas do mesmo sexo.
A boa nova do evangelho, conforme Paulo mesmo afirma em Romanos 1:16-17, é que a justiça de Deus se revela pela fé, e é acessível a todos que creem: judeus ou gregos, heterossexuais ou LGBT+. O foco de Paulo é a idolatria, a autossuficiência humana e a desordem resultante da alienação de Deus. A boa nova anunciada por Paulo é que essa desordem é superada não por moralismo, mas pela fé em Cristo. Interpretar Romanos 1 de forma justa exige que levemos em conta a distância histórica e cultural entre o mundo antigo e o nosso. A aplicação ética do texto deve ser feita com responsabilidade, levando em consideração o avanço do conhecimento sobre sexualidade humana e as experiências reais de vida de pessoas LGBT+, que muitas vezes vivem com fé, amor e compromisso. Reduzir o texto a uma arma de condenação é, paradoxalmente, uma forma de distorcê-lo.