𝗥𝗲𝗳𝘂𝘁𝗮𝗻𝗱𝗼 𝗯𝗼𝗯𝗶𝗰𝗲𝘀 𝗱𝗼𝘀 𝗮𝘁𝗲𝗶́𝘀𝘁𝗮𝘀 𝟭𝟴
Seria bom se o cético apresentasse algum texto que Deus os assassinatos em massa são feitos por Ele, mas como não o fez, irei discorrer sobre o assunto e até entrarei em alguns textos demonstrando que isso é mais uma mentira dos céticos, e que até mesmo alguns cristãos e aqueles que seguem a Cristo ficam abismado com tais passagens e preferem não tocar no assunto, mas farei ao contrário.
Os céticos apontam que o Deus do Velho Testamento, principalmente, é vingativo, sanguinário e assassino, mas por lá encontramos diversos textos que apontam ao contrário:
Êxodo 34:6-7: "Passando, pois, o Senhor perante ele, clamou: Senhor, Senhor Deus, misericordioso e piedoso, tardio em irar-se, e grande em benignidade e verdade; que guarda a benignidade em milhares, que perdoa a iniquidade, e a transgressão, e o pecado..."
Deuteronômio 7:9: "Saberás, pois, que o Senhor teu Deus é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos."
Oséias 11:1-4: "Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho. [...] Com cordas humanas os atraía, com laços de amor; e era para eles como os que tiram o jugo de sobre as suas queixadas, e lhes dava mantimento."
Miquéias 7:18-20: "Quem, ó Deus, é semelhante a ti, que perdoas a iniquidade e te esqueces da transgressão do restante da tua herança? [...] Ele tornará a apiedar-se de nós, sujeitará as nossas iniquidades, e tu lançarás todos os nossos pecados nas profundezas do mar."
Deuteronômio 7:13: "E ele te amará, e te abençoará, e te fará multiplicar; e abençoará o fruto do teu ventre, e o fruto da tua terra, o teu cereal, e o teu mosto, e o teu azeite, a criação das tuas vacas e os rebanhos do teu gado miúdo, sobre a terra que jurou a teus pais te dar."
Neemias 9:17: "Eles, porém, nossos pais, se houveram soberbamente, e endureceram a sua cerviz, e não deram ouvidos aos teus mandamentos; recusaram ouvir-te, e não se lembraram das tuas maravilhas, que fizeste entre eles; endureceram as suas cervizes, e na sua rebeldia designaram um chefe para voltarem para a sua servidão. Mas tu, Deus perdoador, clemente e misericordioso, tardio em irar-se e abundante em bondade, tu os não desamparaste."
Joel 2:13: "E rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes; e convertei-vos ao Senhor vosso Deus; porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal."
Salmos 145:8-9: “o Senhor é misericordioso e compassivo, paciente e transbordante de amor. O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas”
Sobram descrições sobre Deus ser misericordioso, paciente, benigno, perdoador, clemente, bondoso, abençoador, fiel, e amoroso, Ele não tem amor, Ele é amor: "Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é Amor." (1 João 4:8). “Amor” é a palavra que melhor define Deus.
“O Senhor é compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor. Não acusa sem cessar nem fica ressentido para sempre; não nos trata conforme os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades. Pois como os céus se elevam acima da terra, assim é grande o seu amor para com os que o temem; e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões. Como um pai tem compaixão de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem; pois ele sabe do que somos formados; lembra-se de que somos pó” (Salmos 103:8-14)
Deus não nos castiga quanto merecemos, pois, se assim fosse nem estaríamos por aqui: “se o Senhor dos Exércitos não tivesse poupado alguns de nós, já estaríamos como Sodoma e semelhantes a Gomorra” (Isaías 1:9). Ou seja, Ele quando deve castigar, nos poupa, Ele ainda assim é paciente e misericordioso. Até em Sodoma e Gomorra Ele prometeu que os pouparia se encontrasse apenas dez
justos nas cidades (Gn 18:23-32), ainda que as iniquidades deles fossem tão longe que não podiam ver dois visitantes chegar na cidade sem tentar estuprá-los (Gênesis 19:5). Se acompanhou a edição 11 desta série de refutação aos ateus¹, pode acompanhar a explicação sobre o cativeiro babilônico que fez até com que o autor lamentasse e acusasse Deus frequentemente dirigindo suas queixas e acusações por permitir a destruição de Jerusalém e o exílio do povo de Israel, não é a toa que o nome do livro se chama Lamentações. O verso que irei utilizar se encontra dentro do terceiro lamento (3:1-66). “graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a tua fidelidade!” (Lm 3:22-23). Até mesmo dentro do próprio livro em que um humano limitado e desesperado acusa Deus (Lamentações 3:1-18) o atribuindo diretamente a causa de seus sofrimentos, nele encontramos também esperança: "Lembro-me disso e entristeço-me profundamente; contudo, quero trazer à memória o que pode me dar esperança: Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a sua fidelidade." Os pecados de Israel o tornavam merecedor de uma aniquilação completa, mas graças ao grande amor do Senhor e às suas misericórdias inesgotáveis muitos deles foram poupados.
Deus não é covarde para aplicar Sua Justiça, assim como também não é o assassino que incautos tentam induzir, e também está sempre de braços abertos para receber de volta o pecador que se arrepende verdadeiramente. Os israelitas não tinham esta visão de um deus cruel como os céticos e liberais dizem, antes: “Deem graças ao Senhor porque ele é bom; o seu amor dura para sempre. Que Israel diga: ‘O seu amor dura para sempre!’” (Sl 118:1-2). Até hoje não encontrei um religioso, um israelita, com exceção dos néscios que discorde de Davi neste ponto. O Amor de Deus dura para sempre, claro, isso dentro de uma perspectiva humana, pois, até mesmo o "sempre" é algo preso dentro desta nossa dimensão e Deus está fora dela. Deus não é bipolar, uma hora ele mata, o outro é amoroso, o seu amor dura para sempre! Mesmo quando precisa punir, Jeremias diz que Deus “mostrará compaixão, tão grande é o seu amor infalível. Porque não é do seu agrado trazer aflição e tristeza aos filhos dos homens” (Lamentações 3:32-33).
“não me agrada a morte de ninguém; palavra do Soberano Senhor. Arrependam-se e vivam!” (Ez 18:32). Este e muitos outros textos que abrangem Deus poderiam ser colocados por aqui, mas agora tratarei de dois que despertam incômodo em religiosos, e birra em céticos e pseudo-despertos de internet.
𝗢 𝗰𝗮𝘀𝗼 𝗲𝗺 𝗗𝗲𝘂𝘁𝗲𝗿𝗼𝗻𝗼̂𝗺𝗶𝗼
“Quando vocês avançarem para atacar uma cidade, enviem-lhe primeiro uma proposta de paz. Se os seus habitantes aceitarem, e abrirem suas portas, serão seus escravos e se sujeitarão a trabalhos forçados. Mas se eles recusarem a paz e entrarem em guerra contra vocês, sitiem a cidade. Quando o Senhor, o seu Deus, entregá-la em suas mãos, matem ao fio da espada todos os homens que nela houver. Mas as mulheres, as crianças, os rebanhos e tudo o que acharem na cidade, será de vocês; vocês poderão ficar com os despojos dos seus inimigos dados pelo Senhor, o seu Deus. É assim
que vocês tratarão todas as cidades distantes que não pertencem às nações vizinhas de vocês. Contudo, nas cidades das nações que o Senhor, o seu Deus, lhes dá por herança, não deixem vivo nenhuma alma. Conforme a ordem do Senhor, o seu Deus, destruam totalmente os hititas, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus. Se não, eles os ensinarão a
praticar todas as coisas repugnantes que eles fazem quando adoram os seus deuses, e vocês pecarão contra o Senhor, contra o seu Deus” (Deuteronômio 20:10-18)
Quando se diz para «não deixar vivo nenhuma alma», o sentido é que nenhuma alma deveria ser deixada com vida naquele território, porque naquela terra não deveria haver nenhum cananeu convivendo junto com os israelitas, justamente para que não ensinassem aos hebreus as mesmas práticas perversas que lhes era de hábito. Mas, como vimos, mulheres e crianças (e demais não-combatentes) fugiam quando uma fortificação caía, e Deus nunca ordenou que os israelitas perseguissem os cananeus para fora de Canaã. Pensar dessa forma é confundir completamente a missão que Deus lhes designou, que nunca foi “matem os cananeus onde quer que se encontrem”, como se os israelitas fossem uma espécie de “caçadores de cananeus” no mesmo sentido em que Vin Diesel é um caçador de bruxas naquele infame filme; mas tomar posse da terra que pertencia aos cananeus, expulsando-os da terra, como já foi explicado. As mortes não eram a finalidade, mas parte do processo na medida em que os cananeus oferecessem resistência. É por isso que nunca vemos israelitas correndo atrás de cananeus fora do território de Canaã para exterminá-los – neste caso, Jesus teria sido o primeiro a matar a mulher cananeia que veio ao seu encontro. Assim, podemos entender o texto como significando apenas que os israelitas não deveriam manter nenhum cananeu na terra prometida à qual ocupariam, nem mesmo como escravos. Nenhuma alma cananeia devia ser deixada viva ali, o que não significa que deviam matar todos, mas que naquela terra não podiam permanecer. Como os outros povos não tinham o mesmo nível de maldade, os israelitas estavam autorizados a fazer escravos de guerra entre eles e levá-los a Israel (sobre a problemática da escravidão, eu já tenho um livro inteiro a respeito, “A Bíblia e a Escravidão”², onde mostro como a “escravidão” em Israel não tinha nada a ver com a escravidão clássica ou transatlântica, e que um servo em Israel trabalhava menos do que você e eu trabalhamos hoje).
O Dr. Valdenor Brito concorda com essa interpretação quando escreve:
A contraposição é que, no caso da guerra geral, as mulheres, crianças e animais seriam parte do espólio de guerra, contudo, no caso da guerra contra os cananeus por ocasião da conquista, as mulheres, crianças e animais não deveriam ser tomados como espólio de guerra. Nada deve ser deixado com vida naquelas cidades, tamanha a destruição que se deveria impor às cidades-estado cananeias. E as mulheres e crianças dessas cidades-estado não deveriam ser integradas à sociedade israelita, porque cairia nesse problema de que, mesmo se as cidades-estado cananeias fossem tomadas, a cultura cananeia já existente acabaria se impondo sobre a israelita, inviabilizando todo o projeto de construir uma sociedade com parâmetros mais rigorosos de justiça.³
Até mesmo a proposta de paz, descrita no verso 10, era estendida também aos cananeus, de acordo com a Halacha (jurisprudência judaica), embora sob termos diferentes daqueles apresentados aos outros povos. Note que em parte nenhuma Deus diz que em Canaã não era para enviar primeiro uma proposta de paz, Ele apenas diz que não era pra deixar ninguém vivo naquela região. Como
Brito explica, para os cananeus também havia uma proposta de paz:
A visão mais aceita é que, com base no texto do Deuteronômio, os israelitas não deveriam chegar matando todos os cananeus. O que eles deviam fazer era, primeiro, propor a paz. Nessa propositura da paz, além da questão do pagamento de tributos aos israelitas (um imposto que autorizaria a morada na terra), seria exigido das cidades-estado cananeias que cumprissem pelo menos as 7 Leis de
Noé, entre as quais há o preceito positivo de estabelecer tribunais para aplicar a justiça. Assim, o problema da injustiça das cidadesestado cananeias seria resolvido sem entrar em uma guerra, e sem também tornar tais cidades em cidades israelitas, pois não se comprometeriam a seguir a Torá inteira, mas apenas os aspectos universais já mencionados. (Rambam, Mishné Torá, Melachim
uMilchamot 6; Ramban, Comentário para Deuteronômio 20:10; Jerusalem Talmud, Shevi’it 6:1; Leviticus Rabbah 17:6).
Ou seja, a “proposta de paz” basicamente consistia em dar uma última chance de arrependimento aos cananeus, que caso aceitassem se desviar dos seus maus caminhos poderiam compartilhar o território com os israelitas (já que sua expulsão do território estava condicionada à sua condição decaída). Alguém poderia objetar que estamos falando apenas da tradição judaica neste ponto, que
pode ter acrescentado ou inventado coisas. Embora seja verdade que a tradição às vezes falte com a verdade, neste caso a própria Bíblia sugere ter havido mesmo propostas de paz para os cananeus.⁴
𝗢 𝗰𝗮𝘀𝗼 𝗲𝗺 𝟭 𝗦𝗮𝗺𝘂𝗲𝗹
"Assim diz o Senhor dos Exércitos: ‘Castigarei os amalequitas pelo que fizeram a Israel, atacando-os quando saíam do Egito. Agora vão, ataquem os amalequitas e consagrem ao Senhor para destruição tudo o que lhes pertence. Não os poupem; matem homens, mulheres, crianças, recémnascidos, bois, ovelhas, camelos e jumentos’” (1º Samuel 15:2-3)
Após a ordem pela boca do profeta Samuel, “Saul atacou os amalequitas por todo caminho desde Havilá até Sur, a leste do Egito. Capturou vivo Agague, rei dos amalequitas, e exterminou o seu povo. Mas Saul e o exército pouparam Agague e o melhor das ovelhas e dos bois, os bezerros gordos e os cordeiros. Pouparam tudo que era bom, mas a tudo que era desprezível e inútil destruíram por completo” (1Sm 15:7-9). O texto diz «exterminou o seu povo» e «o destruíram por completo», dando a entender que apenas o rei Agague foi poupado. Contudo, nem mesmo Agague sobrevive, como o texto continua:
“Então Samuel disse: ‘Traga-me Agague, o rei dos amalequitas’. Agague veio confiante, pensando: ‘Com certeza já passou a amargura da morte’. Samuel, porém, disse: ‘Assim como a sua espada deixou mulheres sem filhos, também sua mãe ficará sem o seu filho, entre as mulheres’. E Samuel despedaçou Agague perante o Senhor, em Gilgal” (1º Samuel 15:32-33)
Quem quer que leia essa perícope com o olhar de um leitor contemporâneo vai facilmente concluir que houve aqui um genocídio completo: todos os homens, mulheres e crianças amalequitas foram completamente exterminados, sem exceção, como o texto parece indicar. Contudo, apenas dois capítulos adiante, quem é que estava em guerra com Israel novamente? Adivinhe: “Davi e seus soldados atacavam os gesuritas, os gersitas e os amalequitas, povos que, desde tempos antigos, habitavam a terra que se estende de Sur até o Egito” (1Sm 27:8).
Não só o texto diz que os amalequitas estavam em guerra com Davi, como diz que eles habitavam a terra «desde os tempos antigos», indicando que não houve extermínio algum. Eles continuavam ali, onde sempre estiveram. Não somente isso, mas tinham tropa suficiente para novos ataques – o tempo verbal, “atacavam”, indica um ato contínuo. Tampouco podemos supor, como fazem alguns, que Saul exterminou quase todos mas uns poucos conseguiram fugir, porque um punhado de fugitivos jamais seria capaz de se levantar em guerra com a nação de Israel novamente apenas alguns anos mais tarde. Como se não bastasse, alguns capítulos adiante, os amalequitas têm êxito em cercar uma cidade israelita, queimá-la e incendiá-la, mostrando novamente que não estavam para brincadeira:
“Quando Davi e seus soldados chegaram a Ziclague, no terceiro dia, os amalequitas tinham atacado o Neguebe e Ziclague, e haviam incendiado a cidade. Levaram como prisioneiros todos os que lá estavam: as mulheres, os jovens e os idosos. A ninguém mataram, mas os levaram consigo, quando prosseguiram seu caminho. Ao chegarem a Ziclague, Davi e seus soldados encontraram a cidade destruída pelo fogo e viram que suas mulheres, filhos e filhas haviam sido levados como prisioneiros” (1º Samuel 30:1-3)
Que esse exército não era pouco numeroso, pode ser visto no fato de que mesmo Davi tendo atacado “no dia seguinte, desde o amanhecer até à tarde” (1Sm 30:17), ainda assim não menos que “quatrocentos jovens montaram em camelos e fugiram” (1Sm 30:17), o que indica que o exército total devia ter vários milhares de soldados. A única conclusão lógica e racional é que, embora o texto de 1º Samuel 15 esteja expresso em termos abrangentes e universais («homens, mulheres e crianças», «exterminou o seu povo», «o destruíram por completo»), isso nada mais era que um exagero de linguagem – um recurso conhecido como hipérbole[..]. O texto presumivelmente diz respeito apenas ao “extermínio” do exército amalequita naquela região específica, mas para exaltar o triunfo se expressa em termos universais (não como quem quer enganar o leitor, mas como quem sabe que o leitor compreende a hipérbole).⁵
Em outro livro, podemos encontrar explicações claras a respeito do texto ser hiperbólico, segue:
O narrador prossegue afirmando de modo bem enfático que os amalequitas na verdade não foram totalmente exterminados. Primeiro, antes de Samuel despedaçar o rei Agague, ele lhe disse:
“Assim como a sua espada deixou mulheres sem filhos, também a sua mãe ficará sem filhos entre as mulheres” (v. 33). Aparentemente, o próprio Samuel pressupôs que a mãe de Agague ainda estava viva; assim, nem todos os amalequitas foram erradicados. Desse modo, será que, com Agague morto, talvez agora todo homem, mulher (salvo a mãe de Agague), criança e animal sem exceção tivessem sido mortos? Não é o caso! Em 1Samuel 27.8,9, Davi invade um território cheio de amalequitas: “Davi e seus homens subiram e atacaram os gesuritas, os girzitas e os amalequitas. (Desde tempos remotos esses povos habitavam na terra que vai na direção de Sur e do Egito.) Sempre que Davi atacava uma área, não deixava vivo nem homem nem mulher, mas tomava ovelhas, bois, jumentos, camelos e roupas. Depois voltava para Áquis”. Esse texto afirma não somente que os amalequitas ainda existiam, mas a referência ao Egito e a Sur demonstra que eles existiam exatamente na mesma área em que Saul “destruiu totalmente” cada um deles (15.8,20). E mais, Davi tomou ovelhas e bois como despojo. Claramente, em relação ao que a narrativa diz, os amalequitas não foram todos destruídos — nem, por fim, todos os animais foram destruídos em Gilgal no capítulo 15. Em vez disso, muitas pessoas e animais da região haviam sobrevivido ao ataque de Saul. Essa sobrevivência é reforçada pelo fato de que três capítulos adiante lemos que um exército amalequita relativamente grande atacou Ziclague! Assim, ainda que Saul tenha “destruído totalmente” os amalequitas (15.8,20), o texto deixa claro que muitos amalequitas sobraram, de maneira que Davi não somente lutaria — mais uma vez — contra eles, de modo que “nenhum homem deles escapou”, mas, depois dessa batalha, quatrocentos amalequitas fugiram montados em camelos (30.17, NASB).
Mesmo depois desses fatos, os amalequitas continuam existindo, e encontramos mais um amalequita em 2Samuel 1.8, uma passagem em que um deles assume a responsabilidade de ter matado Saul — presumivelmente uma tarefa inacreditável se Saul havia “destruído totalmente todo o povo” de Amaleque. E, em 1Crônicas 4.43, a nação de Amaleque ainda existe durante o reinado de Ezequias. Mais
adiante, no livro de Ester, encontramos um descendente do rei amalequita, Agague — Hamã, “o agagita” (8.3), também chamado de “o filho de Hamedata, o agagita” (3.1) —, que estava determinado a
exterminar o povo judeu. Os amalequitas continuaram existindo muito tempo depois de Saul e Davi. Assim, embora a condenação de Saul seja compatível tanto com uma interpretação literal da ordem como com uma hiperbólica, uma interpretação literal contradiz o restante da narrativa, ao passo que uma hiperbólica combina com ela. Se Saul executou “ataques desestabilizadores” contra soldados amalequitas em seu território, “matando seus reis locais e os habitantes que não haviam conseguido fugir”, então não é surpreendente que sobre um grande número de amalequitas após a batalha.⁶
Em primeiro lugar, o modo de 1Samuel 15 usar a linguagem de como Saul “destruiu totalmente” [haram] os amalequitas “à espada” é o mesmo sintagma que foi usado repetidamente como hipérbole em
Josué (8.24; 10.28 etc.), bem como em 1Crônicas 4.41. Compare as passagens a seguir:
Então Saul derrotou [nakah] os amalequitas, desde Havilá até chegar a Sur, que está a leste do Egito. Ele capturou vivo Agague, rei dos amalequitas, e destruiu totalmente [haram] todo o povo ao fio da espada (1Sm 15.7,8, NASB).
[Josué] a tomou com o seu rei e com todas as suas cidades, e eles as atacaram [nakah] ao fio
da espada e destruíram totalmente [haram] todas as pessoas que estavam nela (Js 10.39, NASB).
[Eles] atacaram [nakah] suas tendas e os meunitas que se encontravam ali e os
destruíram totalmente [haram] até o dia de hoje (1Cr 4.41, NASB).
Em segundo lugar, a linguagem da ordem é muito semelhante ao sintagma hiperbólico em 2Crônicas 36. Compare as duas passagens seguintes:
Vá agora e ataque [nakah] Amaleque e destrua totalmente [haram] tudo o que ele tiver e não o poupe; mate homens e mulheres, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos” (1Sm 15.3, NASB).
Por isso, ele enviou o rei dos caldeus contra eles, o qual matou os seus jovens à espada, na casa do seu santuário, e não teve piedade do jovem, nem da virgem, nem do idoso, nem do enfermo. Ele entregou todos eles nas suas mãos (2Cr 36.17, NASB).
À luz desses textos, parece que temos uma boa razão para entender que essas semelhanças de linguagem e contexto oferecem boas bases para considerar a ordem de Deus a Saul de “destruir
totalmente” os amalequitas e a execução clara dessa ordem (1Sm 15.3,7) indicativos de linguagem hiperbólica.
Em terceiro lugar, observamos (no cap. 8) que um aspecto dos antigos relatos de guerra é o uso hiperbólico de números, em que o tamanho de exércitos é exagerado para efeito retórico. Se
entendermos o número em 1Samuel 15 literalmente, que se refere ao exército de Saul com 210 mil homens, isso seria astronomicamente grande para esse período da história. Para colocar os dados em perspectiva, considere esta comparação: é estimado que o tamanho do exército egípcio durante a época de Ramsés II (século 13 a.C.) era de 100 mil homens e que o exército assírio durante o século 8 a.C. era o maior exército efetivo que o antigo Oriente Próximo já havia visto até essa época — entre 150 mil e 200 mil homens. Em um ensaio anterior, observamos que uma intepretação alternativa desses números astronômicos (uma interpretação de Colin Humphrey, de Cambridge) é possível. A observação que fazemos ali e no capítulo 8 é que a palavra ʻeleph — tipicamente traduzida por “mil”
— é mais ambígua e poderia ser um número menor; pode ser traduzida por “unidade”, “tropa” ou “pelotão”. Embora essa interpretação sem dúvida seja possível, parece que temos uma razão mais forte para entender como hiperbólicos os números elevados em textos de guerra bíblicos como 1Samuel 15. A razão simples para isso é a clara evidência de utilização generalizada da hipérbole no antigo Oriente Próximo (e.g., “certamente multiplicarei a sua descendência como as estrelas do céu e como a areia na praia do mar” [Gn 22.17, ESV]), e isso ocorre especialmente em textos militares. Como Daniel Fouts observa: “Se a hipérbole numérica era empregada e é especialmente prevalecente nos números mais elevados das Escrituras, então os problemas tradicionalmente atribuídos a grandes números podem ser conciliados facilmente”.
[...]
Outra razão para entender a batalha de Saul como hiperbólica é esta: nos é dito que Saul atacou os amalequitas de Havilá até Sur. Sur fica à margem do Egito; Havilá está na Arábia Saudita. O estudioso do Antigo Testamento Ralph Klein sugere que isso também é exagero do antigo Oriente Próximo: “é impossível imaginar que a batalha realmente atravessou a enorme distância da Arábia até as proximidades do Egito”.
Observamos em uma obra anteriormente publicada que o rei Saul guerreou principalmente contra os amalequitas em uma cidade específica — e não em uma enorme região geográfica. O texto se
concentra sobre Saul guerreando em uma “cidade de Amaleque” (1Sm 15.5). Como David Firth argumenta, tratava-se provavelmente de um acampamento militar fortificado (talvez semipermanente). Essa
questão do exagero é reforçada pelo fato de que mais tarde (em 27.8), Davi luta contra os amalequitas na mesma região de Sur até a terra do Egito. Hoffmeier observa que encontramos rotineiramente em textos de guerra do antigo Oriente Próximo “afirmações imponentes de conquista universal lado a lado com afirmações sóbrias sobre conquistar cidades individuais”.17 Isso é exatamente o que vemos em 1Samuel 15: temos tanto combate localizado (v. 5: “a cidade de Amaleque”) quanto “conquista universal” (v. 7: Havilá até Sur). Um exame atento dos versículos de 5 a 7 revela que temos combate em
uma escala menor: “Saul chegou à cidade de Amaleque e armou uma emboscada no vale. E Saul disse aos queneus: ‘Vão embora, afastemse, saiam do meio dos amalequitas, para que eu não destrua vocês junto com eles; porque vocês demonstraram bondade para com todos os filhos de Israel quando eles saíram do Egito’. Assim, os queneus se retiraram do meio dos amalequitas. Então Saul derrotou os amalequitas, desde Havilá até chegar a Sur, que está a leste do Egito” (NASB). Uma leitura literal do enorme escopo geográfico da batalha parece ser ainda mais implausível quando consideramos que o narrador não está claramente afirmando que Saul matou literalmente todos os amalequitas de Havilá até Sur — embora ele os tenha atacado ou ferido (nakah) ali (v. 7). Um exame mais atento do texto de 1Samuel revela que Saul está lutando contra uma representação menor dos amalequitas — um grupo que há pouco tempo havia saqueado os israelitas (14.48) e que provocou uma resposta militar de Saul.
Portanto, [...] acreditamos que a evidência sugere um modo mais plausível de interpretar esse texto como hiperbólico. O relato da batalha de Saul contra os amalequitas é elaborado com recursos literários comuns no antigo Oriente Próximo que sugerem exageros; esses relatos não estão afirmando que Saul literalmente matou todo amalequita sem exceção por ordem de Deus — longe disso.⁷
Há mais outros dois textos que poderiam ser exemplificados e esclarecidos, mas recomendo os livros 𝘋𝘦𝘶𝘴 𝘦́ 𝘶𝘮 𝘮𝘰𝘯𝘴𝘵𝘳𝘰 𝘮𝘰𝘳𝘢𝘭? De Paul Copan, 𝘗𝘰𝘳 𝘲𝘶𝘦 𝘋𝘦𝘶𝘴 𝘮𝘢𝘯𝘥𝘢 𝘮𝘢𝘵𝘢𝘳 de Lucas Banzoli, 𝘋𝘦𝘶𝘴 𝘙𝘦𝘢𝘭𝘮𝘦𝘯𝘵𝘦 𝘖𝘳𝘥𝘦𝘯𝘰𝘶 𝘰 𝘎𝘦𝘯𝘰𝘤𝘪́𝘥𝘪𝘰? De Paul Copan e Matthew Flannagan, são os que eu consultei e os dois primeiros comprei para extrair para compor a refutação, ou melhor, o contraponto. Pode notar que não costumo indicar livros e incluir tantas citações de outros autores em meus textos e vídeos, pois, estes que eu apresentei são escritores protestantes e até mesmo poderia consultar de outra religião, mas a dificuldade é que muitas das vezes encontrará uma linguagem diferente da forma que costumo expressar e defender, para um leigo isso o mais confundiria do que explicaria. Quer exemplo? Posso pegar um texto para refutar um ateu e comento: "Aqui o texto está traduzido como igreja, mas lembre-se, igrejas somos nós, e não denominações religiosas que te levam para o abismo", agora imagine que por minha indicação você vai ler este e outros livros de protestantes que vão defender o contrário, a sua religião. Mas com humildade é que reconheço que estes autores pesquisaram e raciocinaram fora da caixa para defender o que é correto e refutar os céticos principalmente os neo ateus revoltados de internet. É algo raro de recomendar, mas é isto. Que Deus continue abençoando a todos vocês!
𝗡𝗶𝗰𝗼𝗹𝗮𝘀 𝗕𝗿𝗲𝗻𝗼
¹ https://www.facebook.com/nicolas.breno.9421/posts/pfbid04JnXxxfrYNsxfvzfrgbWLzorgVVZjs99GGFt9bUs7gdVH9HdKb5R2atDubYyCZcQl
Parte I: https://www.youtube.com/post/Ugkx1IFXfXDhlfptzUEOWIkoYeXyvAli72V4
II: https://www.youtube.com/post/Ugkx3SewGd31QsbLhYs1PKQmsluZ5OVETRYq
III: https://www.youtube.com/post/UgkxxI1SsBsDRENhBSkato-KsFBmWPcLk7ve
² Você pode comprar a versão impressa do livro ou baixar gratuitamente a versão em pdf na página dos livros do site: <http://www.lucasbanzoli.com/2017/04/0.html>.
³ BRITO JUNIOR, Valdenor. Deus NÃO ordenou genocídios – Parte 2: Cananeus. Disponível em:
<https://aestreladaredencao.medium.com/188-deus-n%C3%A3o-ordenou-genoc%C3%ADdios-parte-2-
cananeus-f8a2de11cfee>. Acesso em: 29/01/2024.
⁴ Banzoli, Lucas. Por que Deus manda matar - Deus mandou matar crianças e mulheres na conquista de Canaã? Pg. 76-80.
⁵ Banzoli, Lucas. Por que Deus manda matar - Deus mandou matar crianças e mulheres na conquista de Canaã? Pg. 30-33.
⁶ COPAN, Paul ; FLANNAGAN, Matthew. Deus Realmente Ordenou o Genocídio?: Como compreender a justiça de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2020. 193-194 p.
⁷ COPAN, Paul ; FLANNAGAN, Matthew. Deus Realmente Ordenou o Genocídio?: Como compreender a justiça de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2020. 195-199 p.
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