𝗔 𝗘𝘀𝗰𝗿𝗮𝘃𝗶𝗱𝗮̃𝗼 𝗻𝗮 𝗕𝗶́𝗯𝗹𝗶𝗮: 𝗣𝗲𝗿𝘀𝗽𝗲𝗰𝘁𝗶𝘃𝗮 𝗲 𝗥𝗲𝘀𝗽𝗼𝘀𝘁𝗮𝘀
Antes de adentrar no tema, o primeiro passo é considerar e entender como era regulada a escravidão na Bíblia, para então discutir se ela era aprovada. A escravidão, entre os israelitas, era tolerada. Mas o que levava alguém a ser escravo? E qual era o tratamento dado aos escravos?
𝘙𝘦𝘨𝘶𝘭𝘢𝘤̧𝘢̃𝘰 𝘥𝘢 𝘌𝘴𝘤𝘳𝘢𝘷𝘪𝘥𝘢̃𝘰 𝘯𝘰 𝘈𝘯𝘵𝘪𝘨𝘰 𝘛𝘦𝘴𝘵𝘢𝘮𝘦𝘯𝘵𝘰
Quando ouvimos a palavra "escravo", muitas vezes pensamos no abuso e no trabalho forçado de afro-americanos no Sul anterior à guerra civil nos EUA. No entanto, no Antigo Testamento, a palavra hebraica ‘ebed, traduzida como "escravo", não carregava a mesma conotação negativa que possui hoje. No antigo Israel, a servidão era um sistema onde uma pessoa indigente podia voluntariamente trabalhar para pagar uma dívida. Embora não fosse um sistema perfeito, os servos recebiam comida, abrigo, direitos legais e proteção contra maus-tratos físicos. Após sete anos, eram libertados e recebiam presentes generosos (Deuteronômio 15:12-14). Em alguns casos, os israelitas mantinham servos das nações vizinhas como resultado da guerra, mas eram ordenados a tratá-los humanamente e proteger contra maus-tratos (Levítico 25:44-46). O tráfico de seres humanos era punível com a morte (Êxodo 21:16).
Basicamente, um hebreu podia se tornar escravo em três situações: a) Em extrema pobreza, podia vender sua liberdade ou a de seus filhos para se sustentar, especialmente em casos de débito, evidenciando dificuldades financeiras (Êxodo 21:2,7; 22:3; Levítico 25:39; Deuteronômio 15:12; 1 Reis 9:22; 2 Reis 4:1; Neemias 5:5; Jeremias 34:14). b) Como punição por roubo, se um ladrão não pudesse pagar (Êxodo 22:3-4). c) Como prisioneiro de guerra, podendo ser comprado por um israelita e revendido a outro israelita (Levítico 25).
Para combater a pobreza, a Lei incluía mecanismos de sustento para os pobres e contenção da miséria, como: provisão de alimentos (Levítico 19:9-10; Deuteronômio 24:20-21; Êxodo 23:10-11), empréstimos liberais (Deuteronômio 15:7-8), e restrições a juros (Êxodo 22:25; Levítico 25:36-37). Assim, a escravidão entre os israelitas era uma medida extrema, para a qual havia abrandamentos: "Livremente abrirás a tua mão para o teu irmão, para o teu necessitado, e para o teu pobre na tua terra" (Deuteronômio 15:11).
Havia dois períodos para libertar os escravos hebreus: o ano sabático (Êxodo 21:2-3) e o ano jubileu (Levítico 25:14), quando o senhor deveria resgatar seus escravos: "Não te assenhorearás dele com rigor, mas do teu Deus terás temor" (Levítico 25:43). Isso mostra que os escravos israelitas não eram maltratados.
Os estrangeiros podiam ser escravizados, mas a Lei também estabelecia direitos e amor aos estrangeiros (Êxodo 12:49; Levítico 24:22; Números 9:14; Deuteronômio 1:16; 24:14,17; 27:19; Jeremias 22:3), como em Deuteronômio 10:18-19 e Isaías 56:3-6.
Os escravos podiam ser prosélitos, mutilados por seus mestres deviam ser libertados (Êxodo 21:26-27), os fugitivos deviam ser bem tratados e não devolvidos (Deuteronômio 23:15-16), tinham direito de participar das festas (Deuteronômio 16:14) e de descansar aos sábados (Êxodo 23:12). O direito dos escravos era reconhecido (Jó 31:13-15), muitas vezes eram tratados com delicadeza (Provérbios 29:21), e Judá foi destruída por descumprimento de deveres para com seus escravos (Jeremias 34:11).
𝘈 𝘌𝘴𝘤𝘳𝘢𝘷𝘪𝘥𝘢̃𝘰 𝘯𝘰 𝘕𝘰𝘷𝘰 𝘛𝘦𝘴𝘵𝘢𝘮𝘦𝘯𝘵𝘰
No Novo Testamento, os judeus estavam sob domínio romano, onde a escravidão era vitalícia e opressiva. Jesus exortou os cristãos escravos a se portarem bem com seus senhores e buscar liberdade (1 Coríntios 7:21-23). Paulo também ensinou aos senhores a tratar bem seus escravos (Colossenses 4:1). Aproximadamente 85-90% da população romana eram escravos, e encorajar rebeliões significaria execuções ou castigos severos. Em vez disso, o apóstolo Paulo ensinou que escravos e livres eram iguais aos olhos de Deus (Gálatas 3:28) e incentivou a mudança começando no coração (Filemom 1:16). Este ensino radicalmente contra-cultural eventualmente inspirou abolicionistas como John Wesley e William Wilberforce.
O Novo Testamento prega a igualdade em Cristo: "𝘯𝘢̃𝘰 𝘩𝘢́ 𝘫𝘶𝘥𝘦𝘶 𝘯𝘦𝘮 𝘨𝘳𝘦𝘨𝘰; 𝘯𝘢̃𝘰 𝘩𝘢́ 𝘴𝘦𝘳𝘷𝘰 𝘯𝘦𝘮 𝘭𝘪𝘷𝘳𝘦; 𝘵𝘰𝘥𝘰𝘴 𝘷𝘰́𝘴 𝘴𝘰𝘪𝘴 𝘶𝘮 𝘦𝘮 𝘊𝘳𝘪𝘴𝘵𝘰 𝘑𝘦𝘴𝘶𝘴" (Gálatas 3:28). A Escritura regulava a escravidão, que normalmente era voluntária e ligada a falta de dinheiro ou guerra, com direitos e descanso. A Lei punia com pena de morte os traficantes de escravos, indicando que a escravidão não era desejada, mas regulada.
A escravidão é um tema complexo e multifacetado, envolvendo relacionamentos humanos, sistemas econômicos e estruturas de poder. No entanto, quando examinamos a escravidão à luz da tradição judaico-cristã, encontramos uma abordagem única que oferece profundas percepções e direções éticas. Aqui estão as razões pelas quais a Escritura está correta ao tratar sobre escravidão e como essa abordagem difere das percepções modernas:
𝟭. 𝗗𝗶𝗴𝗻𝗶𝗱𝗮𝗱𝗲 𝗛𝘂𝗺𝗮𝗻𝗮: A Escritura afirma que todos os seres humanos são criados à imagem de Deus (Gênesis 1:26) e são iguais diante Dele (Gálatas 3:28). Esta visão confere uma dignidade intrínseca a cada pessoa, tornando inaceitável considerar alguém de menor valor.
𝟮. 𝗔𝗺𝗼𝗿 𝗮𝗼 𝗣𝗿𝗼́𝘅𝗶𝗺𝗼: Deus é amor (1 João 4:7-8), e a maior ética da Igreja (pessoas) é o amor (1 Coríntios 13). Esse amor deve ser especialmente direcionado aos oprimidos, enfatizando o cuidado e a justiça para com todos.
𝟯. 𝗥𝗲𝗰𝗼𝗻𝗵𝗲𝗰𝗶𝗺𝗲𝗻𝘁𝗼 𝗱𝗼 𝗣𝗲𝗰𝗮𝗱𝗼: A Escritura reconhece a existência do pecado (Gênesis 3), que resulta em relações desiguais onde o poderoso oprime os outros. A opressão e a desvalorização dos outros são condenadas.
𝟰. 𝗥𝗲𝗱𝗲𝗻𝗰̧𝗮̃𝗼 𝗲 𝗧𝗿𝗮𝗻𝘀𝗳𝗼𝗿𝗺𝗮𝗰̧𝗮̃𝗼: Cristo trata de resolver o problema do pecado ao nível do coração humano. Jesus veio para nos redimir dos nossos pecados e transformar vidas, atacando diretamente as raízes da escravidão e da opressão.
𝟱. 𝗦𝗮𝗯𝗲𝗱𝗼𝗿𝗶𝗮 𝗱𝗲 𝗝𝗲𝘀𝘂𝘀: Jesus não fez um pedido político direto pela abolição da escravidão. Em vez disso, Ele focou no valor humano e na opressão, oferecendo uma abordagem mais sábia e abrangente que vai além de simples proibições.
𝟲. 𝗥𝗲𝗮𝗹𝗶𝗱𝗮𝗱𝗲 𝗣𝗼𝗹𝗶́𝘁𝗶𝗰𝗮: Jesus reconheceu a falta de poder político para efetuar mudanças diretas na estrutura da escravidão. Um chamado direto à abolição teria sido politicamente ignorado ou brutalmente esmagado.
𝟳. 𝗦𝗶𝘀𝘁𝗲𝗺𝗮𝘀 𝗘𝗰𝗼𝗻𝗼̂𝗺𝗶𝗰𝗼𝘀: A escravidão também era um sistema econômico. Jesus e os apóstolos pediram o fim imediato dos abusos e maus-tratos, ao mesmo tempo que ofereciam uma abordagem realista para mudança a longo prazo.
𝟴. 𝗥𝗲𝗹𝗶𝗴𝗶𝗮̃𝗼 𝗲 𝗣𝗼𝗱𝗲𝗿: A Escritura reconhece que a religião pode ser cooptada para propósitos falsos pelos poderosos. Os conflitos de Jesus com líderes religiosos poderosos ilustram isso claramente.
𝟵. 𝗟𝗲𝗶 𝗱𝗼 𝗔𝗻𝘁𝗶𝗴𝗼 𝗧𝗲𝘀𝘁𝗮𝗺𝗲𝗻𝘁𝗼: A lei do Antigo Testamento permitia a servidão por dívida com direitos de proteção e alívio. Este sistema fornecia um meio temporário e regulado de servidão, com proteções legais para os servos.
𝟭𝟬. 𝗜𝗻𝗳𝗹𝘂𝗲̂𝗻𝗰𝗶𝗮 𝗱𝗮 𝗘𝘀𝗰𝗿𝗶𝘁𝘂𝗿𝗮 𝗻𝗮 𝗛𝗶𝘀𝘁𝗼́𝗿𝗶𝗮: Onde a influência de Cristo prevaleceu, a escravidão tende a acabar. Onde não prevalece, a escravidão continua, revelando que a abordagem escriturística de amor, justiça e dignidade humana está no centro da abolição.
Diferente do que é frequentemente propagado, a Escritura não defende a escravidão e, na verdade, abriu caminho para que ela se encerrasse. Quando a Escritura aborda este tema, é para proteger o escravo, garantindo-lhe direitos mínimos ao descanso, à integridade física, e à integração social, algo muito diferente do que era praticado por outros povos.
Aproveitando e finalizando o tema, é importante lembrar que o homem nasce em uma escravidão espiritual: "𝘕𝘢̃𝘰 𝘴𝘢𝘣𝘦𝘪𝘴 𝘷𝘰́𝘴 𝘲𝘶𝘦 𝘢 𝘲𝘶𝘦𝘮 𝘷𝘰𝘴 𝘢𝘱𝘳𝘦𝘴𝘦𝘯𝘵𝘢𝘳𝘥𝘦𝘴 𝘱𝘰𝘳 𝘴𝘦𝘳𝘷𝘰𝘴 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘭𝘩𝘦 𝘰𝘣𝘦𝘥𝘦𝘤𝘦𝘳, 𝘴𝘰𝘪𝘴 𝘴𝘦𝘳𝘷𝘰𝘴 𝘥𝘢𝘲𝘶𝘦𝘭𝘦 𝘢 𝘲𝘶𝘦𝘮 𝘰𝘣𝘦𝘥𝘦𝘤𝘦𝘪𝘴, 𝘰𝘶 𝘥𝘰 𝘱𝘦𝘤𝘢𝘥𝘰 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘢 𝘮𝘰𝘳𝘵𝘦, 𝘰𝘶 𝘥𝘢 𝘰𝘣𝘦𝘥𝘪𝘦̂𝘯𝘤𝘪𝘢 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘢 𝘫𝘶𝘴𝘵𝘪𝘤̧𝘢? 𝘔𝘢𝘴 𝘨𝘳𝘢𝘤̧𝘢𝘴 𝘢 𝘋𝘦𝘶𝘴 𝘲𝘶𝘦, 𝘵𝘦𝘯𝘥𝘰 𝘴𝘪𝘥𝘰 𝘴𝘦𝘳𝘷𝘰𝘴 𝘥𝘰 𝘱𝘦𝘤𝘢𝘥𝘰, 𝘰𝘣𝘦𝘥𝘦𝘤𝘦𝘴𝘵𝘦𝘴 𝘥𝘦 𝘤𝘰𝘳𝘢𝘤̧𝘢̃𝘰 𝘢̀ 𝘧𝘰𝘳𝘮𝘢 𝘥𝘦 𝘥𝘰𝘶𝘵𝘳𝘪𝘯𝘢 𝘢 𝘲𝘶𝘦 𝘧𝘰𝘴𝘵𝘦𝘴 𝘦𝘯𝘵𝘳𝘦𝘨𝘶𝘦𝘴. 𝘌, 𝘭𝘪𝘣𝘦𝘳𝘵𝘢𝘥𝘰𝘴 𝘥𝘰 𝘱𝘦𝘤𝘢𝘥𝘰, 𝘧𝘰𝘴𝘵𝘦𝘴 𝘧𝘦𝘪𝘵𝘰𝘴 𝘴𝘦𝘳𝘷𝘰𝘴 𝘥𝘢 𝘫𝘶𝘴𝘵𝘪𝘤̧𝘢." (Romanos 6:16-18).
Portanto, é evidente que a escravidão conforme descrita na Escritura difere significativamente das práticas escravistas criticadas na era moderna. As Escrituras condenam práticas desumanas e oferecem uma visão de igualdade e irmandade em Cristo, redefinindo a verdadeira justiça e retidão.
𝗡𝗶𝗰𝗼𝗹𝗮𝘀 𝗕𝗿𝗲𝗻𝗼
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