A questão que trava os pós-tribulacionistas?
O argumento central do pastor Juliano Fraga é:
Se, segundo a visão pós-tribulacionista, o arrebatamento acontece junto com a segunda vinda de Cristo, e nesse evento todos os salvos recebem corpos glorificados e “estão para sempre com o Senhor” (1Ts 4), então, por que Mateus 25 fala de uma separação de “bodes e ovelhas” na terra após a vinda em glória?
Ou seja: quem são essas “ovelhas” e “bodes” se todos os salvos já teriam sido arrebatados e glorificados? Ele reforça: se todos os justos foram arrebatados e glorificados, como pode haver salvos em corpos físicos na terra para entrar no milênio?
Resumindo a “pergunta-trava” do pré-tribulacionista: se no pós-tribulacionismo todos os justos são arrebatados no retorno de Cristo, quem são as “ovelhas” separadas dos “bodes” em Mateus 25? Como pode haver salvos em corpos naturais entrando no milênio?
(Pergunta feita no debate intitulado: "A igreja passará pela grande tribulação? Pr. Sezar Cavalcante X Pr. Juliano Fraga - 29.03.23", canal Sezar Cavalcante.)
A PARÁBOLA DAS DEZ VIRGENS E O JULGAMENTO DAS NAÇÕES EM MATEUS 25 NÃO ENSINAM UM ARREBATAMENTO SECRETO PRÉ-TRIBULACIONAL
A análise cuidadosa do texto grego de Mateus 25 e seu aparato crítico nos leva a rejeitar de forma fundamentada a leitura pré-tribulacionista que defende um arrebatamento secreto da Igreja (pessoas) antes da grande tribulação.
Primeiramente, é necessário observar que o capítulo 25 está inserido no contexto do chamado “Sermão Escatológico” (Mateus 24–25), onde Jesus responde aos discípulos sobre “o sinal da tua vinda (παρουσία) e do fim do século” (24:3). Em nenhum momento do discurso há uma separação clara entre duas vindas de Cristo, ou uma distinção entre uma vinda secreta para os santos e outra pública para juízo.
Tema e Literatura
O texto grego de Mateus 25:1 inicia a famosa parábola das dez virgens:
Τότε ὁμοιωθήσεται ἡ βασιλεία τῶν οὐρανῶν δέκα παρθένoις...
A expressão “Τότε” (Então) indica continuidade direta com o discurso anterior. Não há ruptura temporal ou doutrinária entre o alerta da vigilância em 24:42–51 e as parábolas seguintes. Ao contrário: o próprio aparato crítico (ver NA28, apparatus ad loc.) mostra que variações como a menção da “noiva” (νύμφη) são provavelmente interpolações secundárias, como bem observa a Comissão do TC (Textual Commentary)[1]: a ausência da noiva no texto original reforça a intenção do autor de centralizar o foco no “noivo” (νυμφίος), símbolo claro de Cristo. Isso evidencia que a parábola não pode ser lida de maneira alegórica como um “arrebatamento secreto” da Igreja-noiva antes do juízo, pois a figura do noivo só aparece publicamente, num evento coletivo.
Impossibilidade de Duas Vindas Separadas
O desenvolvimento da narrativa mostra que tanto as virgens prudentes quanto as néscias estavam juntas, esperando pelo noivo, e só são separadas no momento da chegada pública do noivo – à meia-noite, “μέσης δὲ νυκτὸς κραυγὴ γέγονεν· ἰδοὺ ὁ νυμφίος ἔρχεται...” (25:6). Não há, no texto, espaço para uma vinda secreta anterior: todas são surpreendidas e a separação ocorre diante de todos.
Note que os aparatos críticos confirmam a autenticidade desse quadro: as variantes na expressão “ἐξέρχεσθε εἰς ἀπάντησιν αὐτοῦ” (saí para encontrá-lo) não alteram o sentido central de um encontro aberto, público, que ecoa a mesma linguagem de 1 Tessalonicenses 4:17 – texto que, aliás, fala de encontro “nos ares” como uma comitiva recebendo o Rei, não de um rapto secreto[2].
O Grande Juízo Final: Público, Único e Global
Após as parábolas, Jesus descreve o juízo das nações (25:31–46), evento claramente escatológico e universal. O texto grego é enfático:
Ὅταν δὲ ἔλθῃ ὁ υἱὸς τοῦ ἀνθρώπου ἐν τῇ δόξῃ αὐτοῦ... καὶ συναχθήσονται ἔμπροσθεν αὐτοῦ πάντα τὰ ἔθνη...
Não há espaço para interpretações individualistas ou segmentadas: o Filho do Homem vem “em sua glória”, e todas as nações (πάντα τὰ ἔθνη) são reunidas diante dele. O verbo συναχθήσονται (serão reunidas) e a imagem do trono do juízo deixam claro que trata-se de uma manifestação pública, universal, simultânea e final, não uma etapa intermediária ou “invisível”[3].
O aparato crítico aqui reforça a integridade do texto; variantes menores (como presença/ausência de “αγιοι” – santos anjos) não alteram a força do argumento: o evento é único e global[4].
Separação e Destino Eterno: Imediato e Visível
O julgamento é apresentado como um processo imediato: os justos são colocados à direita, os injustos à esquerda. Não existe uma lacuna temporal, nem uma oportunidade extra para os “deixados para trás”, como requer o pré-tribulacionismo. O destino eterno é definido na presença do próprio Cristo, diante das nações, de maneira irrevogável:
“Καὶ ἀπελεύσονται οὗτοι εἰς κόλασιν αἰώνιον, οἱ δὲ δίκαιοι εἰς ζωὴν αἰώνιον.” (25:46)
Essa sentença escatológica não comporta fases, segundas chances, ou “voltas intermediárias” de Cristo. O próprio texto rejeita o dualismo do pré-tribulacionismo[5].
O Grego do Texto Desmonta o Pré-Tribulacionismo
A gramática e o vocabulário reforçam o argumento:
O uso consistente de “τότε” (então) liga todos os eventos como parte de uma única cronologia escatológica.
Os verbos de movimento e encontro (ἐξῆλθον, ἐξέρχεσθε, εἰσῆλθον, συναχθήσονται, στήσει) descrevem ação pública, visível, comunitária.
Não há qualquer suporte textual ou aparente para a hipótese de dois eventos distintos, nem nos manuscritos mais antigos e confiáveis[6].
Observação sobre Aparatos Críticos
O aparato mostra que certas variantes (como a possível inclusão da noiva, ou a adição de frases de advertência já presentes em 24:44) são explicadas por harmonizações eclesiásticas tardias, e não pelo texto original. O núcleo do texto sempre aponta para um evento escatológico singular, não fragmentado[7].
Conclusão
O texto de Mateus 25, tanto no grego original quanto nas melhores evidências manuscritas e nos estudos críticos recentes, não ensina um arrebatamento secreto pré-tribulacional. O movimento é público, o juízo é único, e o destino é imediato. A estrutura literária e a gramática do texto, associadas ao contexto do sermão escatológico, sustentam o entendimento de que Cristo virá uma única vez, em glória, para julgar vivos e mortos, separando os justos dos ímpios de maneira definitiva diante de todas as nações.
Não há base exegética ou textual para dividir esse evento em fases, nem para sustentar a doutrina do arrebatamento secreto como defendida pelo pré-tribulacionismo. A chamada, portanto, é para vigilância e fidelidade contínuas, sabendo que “não sabemos o dia nem a hora”, e que quando o Senhor vier, virá de modo manifesto, para todos. Amém!
Notas de rodapé
Menção à noiva em Mateus 25:1: O aparato crítico (Tischendorf, NA28) e o Textual Commentary (Metzger, p. 53) indicam que a inclusão de "και της νύμφης" (“e a noiva”) é atestada apenas em algumas testemunhas e provavelmente resulta de tentativas posteriores de harmonização com usos e costumes judaicos. O texto mais antigo e forte omite a noiva, centrando-se somente no noivo.
Público e natureza do encontro: Cf. apparatus de Tischendorf sobre “εξέρχεσθε εις απάντησιν αυτού” e NA28, que mostram a leitura estável e sua associação conceitual com 1Ts 4:17 (“εις απάντησιν του κυρίου”). O verbo grego aponta para uma recepção aberta do Rei, não um desaparecimento secreto da Igreja.
Universalidade do juízo em Mateus 25:31-32: O aparato crítico confirma a expressão "πάντα τὰ ἔθνη" com forte atestação em a01 B03 D05 L019 e outros. As variações textuais são periféricas e não mudam a universalidade do evento descrito.
Variante “santos anjos”: A expressão "πάντες οἱ ἄγγελοι μετ' αὐτοῦ" conta com apoio dos melhores manuscritos (a01 B03 D05 L019), sendo a omissão presente apenas em testemunhos secundários. Metzger (Textual Commentary, p. 53) destaca que tais diferenças não afetam a centralidade da cena do juízo final.
Sentença escatológica única: O aparato de Tischendorf para 25:46 mostra uniformidade textual entre manuscritos, sem qualquer base para a ideia de julgamento em etapas separadas.
Consistência literária do “τότε”: O uso reiterado de “τότε” (então) e da sequência de verbos de movimento é uma marca estilística em Mateus para indicar progresso narrativo linear e unitário (cf. análise de Matthew Black, “An Aramaic Approach to the Gospels and Acts”, e notas em NA28).
Natureza secundária de certas variantes: O Textual Commentary de Metzger e o apparatus crítico demonstram que acréscimos como “e a noiva” ou advertências duplicadas são melhor explicados como interpolações tardias feitas por escribas preocupados em harmonizar detalhes ou reforçar lições morais já presentes em outros trechos.
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