Desconstruindo um Pilar da Imortalidade: Uma Análise de Apocalipse 6
Introdução
A interpretação tradicionalmente cristã de Apocalipse 6, que descreve as almas dos mártires debaixo do altar clamando por justiça, é frequentemente utilizada como uma das principais evidências bíblicas para a doutrina da imortalidade da alma e a existência de um estado intermediário consciente após a morte. Ou como vimos no meu vídeo react à Augustus Nicodemus, a famosa entrada imediata no céu após a morte. No entanto, uma análise mais aprofundada do texto, considerando seu contexto, sua rica linguagem simbólica e o próprio vocabulário grego original, revela uma perspectiva que desafia essa leitura literal. Essa é a única maneira deles interpretar para corroborar com a farsa imortalista.
A simbologia em Apocalipse
O livro do Apocalipse é caracterizado por sua linguagem altamente simbólica. Interpretar a passagem das "almas debaixo do altar" de forma literal, enquanto outras partes do mesmo livro, como os cavaleiros, a besta de sete cabeças e o dragão, são entendidas como símbolos, representa uma inconsistência hermenêutica. Se a Morte cavalgando um cavalo amarelo não é um personagem literal, por que as almas debaixo do altar seriam?
Aprofundando no grego
A chave para a compreensão está na palavra grega traduzida como "almas": ψυχή (psychē). No texto, lemos as "psychas" dos que foram mortos. Embora frequentemente traduzida como "alma" no sentido de uma entidade imaterial, psychē é o equivalente direto da palavra hebraica nephesh na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento). Nephesh refere-se primariamente à "vida", à "criatura viva" ou à "pessoa", e está intrinsecamente ligada ao sangue, considerado o veículo da vida (Levítico 17:11). Portanto, o texto não fala necessariamente de espíritos desencarnados, mas das vidas que foram tiradas. O clamor das psychas é uma poderosa metáfora para o sangue dos mártires, que clama por justiça desde a terra, assim como o sangue de Abel (Gênesis 4:10).
Essa conexão com o sacrifício é reforçada pelo verbo grego usado para descrever a morte dos mártires: σφάζω (sphazō), que significa "abater" ou "degolar", um termo frequentemente utilizado no contexto de sacrifícios de animais. Eles foram "sacrificados" pela Palavra de Deus (Cristo). A localização "debaixo do altar" completa essa imagem, remetendo diretamente ao ritual do tabernáculo, onde o sangue (nephesh) dos sacrifícios era derramado na base do altar (Levítico 4:7). A cena, portanto, descreve simbolicamente as vidas sacrificadas na terra, cujo sangue clama a Deus, e não uma assembleia de almas conscientes no céu.
O clamor por vingança, expresso pelo verbo κράζω (krazō), um grito forte e emotivo, contrasta com o espírito de perdão ensinado por Cristo no Novo Testamento (Lucas 23:34; Atos 7:60). Esse clamor representa a gravidade da injustiça cometida, uma personificação do sangue derramado, e não o desejo pessoal de santos glorificados.
As vestes brancas e a ordem para que esperassem "um pouco mais" também apoiam a leitura simbólica. As vestes brancas, no Apocalipse, representam os "atos justos dos santos" (Apocalipse 19:8), um símbolo de vitória e pureza, não uma peça de roupa para um ser imaterial. A ordem para que esperassem até que se completasse o número de seus conservos que ainda seriam mortos indica que a vindicação final ainda está no futuro, alinhando-se com a doutrina de que o juízo e a recompensa ocorrem no fim dos tempos, na ressurreição.
O detalhe não percebido
Certamente, a visão de João em Apocalipse 20:4, onde ele vê as psychas dos degolados que "viveram e reinaram com Cristo durante mil anos", confirma que estavam mortas antes deste momento. O texto diz que elas "passaram a viver", implicando um estado anterior de não-vida. Se elas precisaram "voltar a viver" na primeira ressurreição, não poderiam estar vivas e conscientes no céu durante o período do quinto selo.
Conclusão
Em suma, a passagem das almas debaixo do altar, quando analisada em seu contexto simbólico e através das lentes do vocabulário grego original, não sustenta a doutrina da imortalidade inerente da alma. Pelo contrário, revela-se uma poderosa alegoria sobre a justiça divina que, a seu tempo, vindicará as vidas dos mártires, cuja esperança não repousa em um estado intermediário, mas na promessa da ressurreição final.
Nicolas Breno
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