1 Tessalonicenses 4:14 e o erro da leitura pré-tribulacionista
Recentemente, na volta do trabalho, pude escutar o debate que ocorreu há dois anos entre o professor e pastor Mateus G. Rangel (pré-tribulacionista) e o professor e pastor Rafael Rocha (pós-tribulacionista), no programa Vejam Só. Infelizmente, em minha análise, Rafael deixou a desejar na defesa da visão bíblica de que o arrebatamento acontece depois da tribulação, pois se perdeu em linhas e subtemas peculiares a ele, que fugiam do tema central: "O arrebatamento antes da grande tribulação pode ser provado biblicamente?" — este também era o título do programa.
Algo, porém, me chamou atenção na última fala de Rangel. Ele disse que, em 1 Tessalonicenses 4, quando Paulo escreve:
“14 Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem, Deus os tornará a trazer com ele.”
Jesus retorna com aqueles que morreram n’Ele para buscar Sua igreja antes da tribulação. Isso surge quando ele questiona o professor Rafael se ele já viu um cemitério de anjos e se anjos podem morrer, ao que Rafael, obviamente, responde que não, pois havia dito que, nesse texto, Jesus volta com Seus anjos, e não com a igreja. Rangel conclui que, se em Sua companhia Ele vai trazer aqueles que dormem, e se Ele volta com anjos, então os anjos estariam mortos? Se os anjos não estão mortos, então Ele vem para levar o Seu povo. Mas quem são estes na companhia de Jesus? E os anjos?
Eis mais um texto que iremos abordar e, com responsabilidade exegética, refutar como mais uma eisegese pré-tribulacionista.
O que Paulo está explicando?
Paulo escreve para consolar os irmãos em Cristo de Tessalônica que estavam preocupados com os irmãos que já haviam morrido. Eles queriam saber: “Esses que morreram vão perder a volta de Jesus?” Paulo responde com firmeza: não! Quando Jesus voltar, os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro, e os vivos serão arrebatados junto com eles para estar com o Senhor.
O que significa “trará com ele”?
O versículo 14 diz: “...Deus trará com Jesus aqueles que nele dormiram.” No grego original, a frase é: οὓς καὶ ὁ Θεὸς ἄξει σὺν αὐτῷ (ous kai ho Theos áxei syn autō)
Vamos simplificar: - ἄξει (áxei) = “trará”, “conduzirá”, “levará” → é uma ação futura, não presente. σὺν αὐτῷ (com ele) = indica que estarão com Jesus, mas ainda não estão. Ou seja: Deus trará os mortos de volta à vida e os conduzirá para estar com Jesus. Não significa que eles já estão conscientes no céu e voltam com ele. O texto fala de ressurreição, não de almas descendo do céu. Vamos detalhar ainda mais pela gramática para não haver dúvidas.
1. κοιμηθέντας (koimēthéntas)
- Strong’s G2837
- Verbo: κοιμάω (koimaō) – “dormir”, usado metaforicamente para “morrer”
- Tempo verbal: aoristo passivo – indica ação completa no passado, recebida pelo sujeito
- Thayer’s Lexicon: “to fall asleep, to die” – usado para crentes falecidos, com ênfase na inatividade consciente
- BDAG: “to sleep, fall asleep, die” – destaca que em contexto escatológico, refere-se à morte física, não à alma consciente
- Louw & Nida: Domínio 23.88 – “to die, with the implication of peaceful rest”
Conclusão: Paulo está falando de crentes mortos, não de almas conscientes no céu. A metáfora do “sono” reforça a visão bíblica mortalista: o ser humano aguarda a ressurreição como um todo, sem estado intermediário consciente.
2. ἄξει (áxei)
- Strong’s G71
- Verbo: ἄγω – “levar”, “conduzir”, “trazer”
- Tempo verbal: futuro ativo indicativo – ação que ainda vai acontecer
- Thayer’s Lexicon: “to lead, bring, carry” – usado para conduzir alguém de um lugar a outro
- BDAG: “to bring along, lead, take with” – enfatiza movimento futuro, não retorno de quem já está presente
- Louw & Nida: Domínio 15.59 – “to cause someone to go with”
Conclusão: Deus trará os mortos para estar com Jesus. O verbo não implica que eles já estão com ele, pelo contrário, indica que serão conduzidos para ele na ressurreição.
3. σὺν αὐτῷ (syn autō)
- Strong’s G4862
- Preposição σύν + pronome αὐτός = “com ele”
- Thayer’s Lexicon: “in company with, together with” – indica companhia futura, não necessariamente presente
- BDAG: “in association with, together with” – usada para descrever união resultante de uma ação, como o arrebatamento ou ressurreição
- Louw & Nida: Domínio 89.42 – “with, together with”
Conclusão: “Com ele” significa que os mortos estarão com Jesus após serem ressuscitados, não que já estão com ele no céu. Vamos agora a outra parte do texto.
“Dormem” = estão mortos, não conscientes
Paulo usa a palavra grega κοιμωμένων (koimōmenōn), que significa literalmente “os que dormem”. É uma metáfora comum na Bíblia para morte física, sem consciência. O ser humano é um só, e não existe um estado intermediário consciente entre morte e ressurreição.
E os anjos? Jesus vem com eles também?
Sim! Na Escritura, encontramos que Jesus vem com os anjos: Mateus 25:31: “...e todos os santos anjos com ele.”; 2 Tessalonicenses 1:7: “...com os anjos do seu poder.”
Mas isso não contradiz o que Paulo diz. Jesus vem com os anjos e ressuscita os mortos em Cristo, que então serão levados para estar com ele. São dois grupos diferentes:
- Os anjos já estão com Jesus.
- Os mortos em Cristo serão ressuscitados e conduzidos para ele.
Pós-tribulacionismo: Jesus vem depois da tribulação
A sequência que Paulo descreve é clara:
1. Jesus desce do céu com voz de comando.
2. Os mortos em Cristo ressuscitam.
3. Os vivos são arrebatados junto com eles.
4. Todos se encontram com o Senhor nos ares.
Não há espaço aqui para um arrebatamento secreto antes da tribulação. Paulo está falando de um evento único, visível, público, no fim da tribulação, como também é descrito em Mateus 24:29–31.
Conclusão
Diante da análise de 1 Tessalonicenses 4:14, é evidente que a expressão “trará com ele” não indica que os mortos em Cristo já estão conscientes no céu, mas sim que Deus os ressuscitará para estarem com Jesus em sua vinda. A palavra “dormem” reforça essa compreensão, apontando para o estado de morte e a expectativa da ressurreição. A estrutura verbal do texto, com o uso do futuro, confirma que esse ato ainda ocorrerá, e não que já aconteceu. Assim, Jesus vem com os anjos e, nesse mesmo evento, os mortos ressuscitados são trazidos para si. Isso sustenta a visão pós-tribulacionista, que defende um único momento glorioso: sem arrebatamento secreto, sem estado intermediário consciente, mas com ressurreição e arrebatamento simultâneos após a tribulação. O texto, portanto, não oferece base para a ideia de almas conscientes retornando com Cristo, mas sim para a esperança escatológica da igreja que aguarda, em Cristo, a ressurreição e o encontro definitivo com o Senhor.
Nicolas Breno
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